Há incompetência na gestão da prevenção e combate aos incêndios, vá de férias, senhora ministra
Foto: Ricardo Graça
É política. Demissões ou falta delas. Empurrar com a barriga, dizer que não se leu ainda um relatório que expõe todos os argumentos é a face mais baixa que um político pode ter. Todos os que quiseram, leram o relatório, nem que seja apenas a primeira parte, antes de chegar às páginas onde se mostram os gráficos que nos dizem que era possível prever tudo o que sucedeu em Pedrógrão e agir de forma correta. Agir seguindo modelos que são usados aqui ao lado, na vizinha Espanha. Modelos que são usados até por cá, pelo corpo de bombeiros privados de papeleiras como a Navigator.
Desde os incêndios de Pedrógão, através da iniciativa Uma Imagem Solidária, que tive contacto direto com os bombeiros de Castanheira de Pera (uma das primeiras corporações a chegar ao local) e deu para perceber que há falta de coordenação, falta de pessoas com conhecimento para estar à frente de instituições que possam comandar as operações no terreno.
Promover conferências de imprensa, para dar as piores notícias, os números de mortos (não são 23, serão mais, infelizmente, e é preciso contar com os 65 de Pedrógrão), de meios, de nada servem. São o espetáculo circense que apenas ajudam a disfarçar a parte política, a incompetência do que se está a passar.
O relatório é claro: era possível prever o que se passou em Pedrógão, era possível ter coordenado as equipas que chegaram em primeiro ao terreno para atacar o incêndio e evitar a tragédia que sucedeu. Também diz que, depois dessas duas horas de "passividade", o incêndio, por todas as características, estava incontrolável, independentemente dos meios. Mas aquilo que convém reter, é que se poderia ter agido antes.
Não, não pode ficar impune. Nem a ministra, nem o primeiro ministro que continua a assobiar para o alto. Nem o secretário de Estado que agora diz, salve-se quem puder, não esperem pelos bombeiros, safem-se, desenrasquem-se.
"As deficiências no comando e gestão da operação de socorro foram agravadas pelas dificuldades de comunicação. Porém, e em face do ponto 2, se a atuação tivesse seguido os padrões em vigor, pouco teria aumentado a efetividade das operações de controlo do incêndio. Pelo contrário, as consequências catastróficas do incêndio não são alheias às opções táticas e estratégicas que foram tomadas."
E, pode ainda ler-se: "As condições atmosféricas então vigentes determinaram no dia 16 de junho um alerta especial de perigo de incêndio florestal em nível Amarelo para todo o território por parte do CNOS. Estava-se ainda na fase Bravo (15 de maio a 30 de junho) e não tinha sido tomada decisão alguma para eventualmente antecipar a fase Charlie (normalmente de 1 de julho a 30 de setembro). Face às condições instaladas e previstas, a avaliação que deve ser feita relativamente à prontidão das atividades de pré-supressão de incêndios é francamente negativa, uma vez que:
- Os postos de vigia para deteção de incêndios mais próximos da ocorrência de Pedrógão Grande não estavam ainda ativos;
- não havia vigilância móvel armada nem pré-posicionamento de meios de combate em local estratégico, à exceção dos sapadores florestais. Nesta situação, e perante os avisos e alertas meteorológicos, estavam criadas as condições para que um eventual incêndio florestal se desenvolvesse, explorando as condições físicas, meteorológicas e de insuficiente prontidão das forças de proteção civil. A antecipação da fase crítica do DECIF poderia ter permitido a deteção mais precoce dos fogos nascentes e certamente teria tido implicações nos resultados do combate aos incêndios."
E, como se sabe, os postos de vigia, mesmo perante o que se sabia sobre as condições climatéricas, foram desactivados logo que terminou a fase Charlie. Por isso, de cada vez que se ouve um governante falar da severidade das condições e alterações climatéricas, eu só oiço dizer "fui incompetente porque sabendo o que sucedeu em Pedrógrão, deveria ter assegurado que se mantinha o sistema em alerta".
A conclusão a reter destes relatório é que se deve implementar um sistema idêntico ao utilizado na vizinha Espanha. Dotar as equipas de pessoas competentes e não cargos aos amigos dos políticos. Não se pedem cabeças? Pedem-se, porque a incompetência tem de ser condenada e as culpas assumidas.
A ministra da Administração Interna não tem condições para o cargo que assume e isso ficou ainda mais visível quando, depois de Pedrógrão, sabendo que estamos em seca extrema, que os diversos dados indicavam níveis críticos de risco de incêndios, não manteve os postos de vigia ativos. Isto, por si só, não iria resolver os problemas, iria evitar os incêndios (a maior parte por mão criminosa) mas era um sinal que a ministra estava com os olhos postos neste problema, que estava a pensar nas pessoas.
Não, não pode ficar impune. Nem a ministra, nem o primeiro ministro que continua a assobiar para o alto. Nem o secretário de Estado que agora diz, salve-se quem puder, não esperem pelos bombeiros, safem-se, desenrasquem-se.
É triste ver o resultado das eleições autárquicas. É triste ver a forma como o Governo e oposição lidaram com o tema do ponto de vista político. Mas isso, é a politiquice. Há pessoas competentes, há exemplos lá fora de equipas multidisciplinares que incluem especialistas de diversas áreas, meteorologia, análise de incêndios e tudo isto era previsível tal como disse esta manhã a proteção civil. "A grande dificuldade no dia de ontem (domingo) foi o facto de termos tido 523 ocorrências", afirmação de Patrícia Gaspar, adjunta da Proteção Civil.
Num dia em que todos sabiam que existiam condições favoráveis a estas ocorrências, mais uma vez, nada se fez. E continuamos a assobiar para o lado? Não podemos permitir, não podemos, simplesmente, enquanto povo, ver pessoas morrer queimadas por falta de políticas corretas na prevenção e combate aos incêndios. Não podemos aceitar que um secretário e Estado diga que as populações têm de se safar como podem.
Como referi, falei diretamente com os bombeiros de Castanheira de Pera que traçam um cenário assustador ao nível da coordenação, da formação, da forma como os meios de combate são distribuídos no terreno.
Há exemplos a seguir, o relatório é claro e é preciso olhar para ele e implementar rapidamente as medidas propostas. Porque, não se está a inventar nada, o relatório dá exemplos testados e que podem ser até aperfeiçoados, limpar o que possa ser menos bom.
Mas, de forma simples, podemos saber, olhando para este relatório, que antes dos incêndios deflagrarem é possível prever e cruzar os dados meteorológicos, com a carga combustível, os níveis de humidade no solo e, perante, tudo isto, saber que havendo uma ignição, toma proporções incontroláveis.
É preciso trabalhar na prevenção, na vigilância das matas, na limpeza coerciva. Só para a ministra da Administração Interna e Governo, a culpa morre solteira. A culpa é até do furacão Ophelia. E não acredito que a ministra dá uma conferência para praticamente culpar as populações do que sucedeu.
Esta é uma conversa triste, vai muito além da política, as falhas estruturais têm anos mas há coisas que ninguém vai compreender, principalmente quem perdeu vidas: fechar postos de vigias quando se alega que as condições climatéricas são extremas? Seria o mesmo que dizer, estamos em guerra, sabemos que o inimigo está ali à porta, mas vamos todos para os copos.
A ministra não se demite, faz a mesma afirmação que fez na altura dos incêndios de Pedrógrão Grande: “Demitir-se seria o mais fácil nesta altura”. E concordei, nessa data. Deixar um vazio de poder naquela altura não seria positivo. Não poderia deixar um vazio. Mas, como se viu, não teve nem capacidade, nem experiência para, após essa catástrofe, trabalhar para prevenir outra. E agora, perante esta, volta a afirmar o mesmo. Não, senhora ministra, talvez seja melhor afastar-se e deixar alguém que saiba assumir o comando e, tal como afirmou aos jornalistas “ir fazer as férias que não teve”.