Há quatro anos...
Há quatro anos, perto da meia noite, adormeci no sofá. Tinha chegado da Maternidade Alfredo da Costa onde a minha mulher estava internada à espera que a nossa filha decidisse nascer, quase duas semanas após as 40 previstas.
Fiquei com ela, a andar pelo corredor da MAC até às 22h00, depois dessa hora, os pais são "corridos". Ao contrário do que se passa nos hospitais privados onde o pai pode ficar sempre ao lado da mãe. Recordo-me que mal jantei, num misto de ansiedade e felicidade. Afinal, poderia acontecer a qualquer momento. Mas, às 22h00, a previsão seria para que o início do parto fosse demorar.
Acordo sobressaltado com um telefonema por volta da 01h00 da manhã. O coração saltou ao ouvir do outro lado: "é o marido da Mónica?" Pensei o pior - "tem de vir rápido senão não vê a sua filha nascer". Tentei verbalizar a questão que se impunha: "está tudo bem?"
"Sim, só que se não se despacha não a vê nascer, estão a preparar a sua mulher para o parto" - disse a voz do outro lado do telefone.
Voei, moro muito perto e em menos de 7 minutos estava na recepção da maternidade. "Já cá está? Pensava que fosse demorar mais", disse a recepcionista.
- "A senhora disse para me apressar senão perdia o nascimento da minha filha", lembrei.
- "Normalmente demoram mais tempo. Deve morar aqui perto?", questionou.
Sim, como é óbvio. A alternativa seria estar no carro aqui à porta. E seria o que teria feito se morasse mais longe.
Pediu para aguardar que "estavam a prepará-la". Esperei cerca de meia hora até poder ficar junto da minha mulher. As coisas agora estavam calmas mas houve ali um período de maior tensão e a abençoada epidural estava a fazer efeito.
Parabéns, princesa... E estou marimbando para todos os que acham que chamar princesa a uma filha é um ato machista!
Nem 20 minutos devo ter estado com ela. De repente, a enfermeira retira de um pacote esterilizado uma enorme agulha enquanto diz "vamos ter de rebentar as águas". Nunca assisti a nenhum outro parto e fiquei preocupado com aquela agulha perto da minha mulher e da minha filha. A luz, muito reduzida do espaço, permitia ver pouco ou nada mas deu para perceber que havia uma cabeça muito próximo da saída. E não me contive: "Mas não vai espetar a cabeça da bebé?"
"Não", diz a enfermeira, já a pensar que teria uma ótima história para contar. Mas quando chega perto com a agulha, apercebe-se do mesmo que eu: "Este bebé está a nascer!", exclamou. "A sério?", não me contive. "Até eu vejo isso", disse.
Acusou o toque, chamou o médico para o colocar ao corrente da situação. "Este vem com o cordão à volta do pescoço", comentou, como se fosse normal verbalizar aquilo para uns pais já ansiosos com toda a situação.
Ao olharem para o CTG (uma maquineta que basicamente mede os batimentos cardíacos do feto) notaram que algo estava a correr menos bem. "Temos de ir para o bloco pois parece estar um pouco torcida", afirmou o médico. "Bloco? Está tudo bem?", perguntei. "Sim, vai ter de aguardar lá fora, depois já o chamamos", disse a enfermeira, a indicar-me a saída da box. Consegui mais umas palavras de conforto e tive de sair. Olhando para trás, deveria ter feito um pé de vento. Mas, naquele momento, só queria que tudo corresse bem.
Esperei quase uma hora, a ouvir um grupo de pessoas aos berros que, na recepção, expunham toda a sua vida conflituosa. "Se fores lá dentro e não tiveres nada levas tantas que nem sabes", estas palavras, ditas por uma mãe, para uma filha adolescente, grávida, nunca mais me saíram da cabeça. A rapariga tinha-se sentido mal e como a mãe achava que era ronha, fez questão de verbalizar isso mesmo num nível de voz que se poderia ouvir no Cais do Sodré.
Olhava para o relógio e o ponteiro dos minutos parecia parado, uma eternidade à espera, sem saber o que se passava. Ao fim de mais de uma hora questionei a recepcionista. "Pode dizer-me se está tudo bem? Estou aqui há imenso tempo sem saber de nada e a minha mulher lá dentro sozinha..."
- "Não lhe disseram nada ainda?", perguntou. "Não", respondi com receio do que teriam para me dizer. "A sua filha já nasceu, está tudo bem!"
Alívio, eram quase 3h30 e a minha filha tinha nascido às 2h57. Avisar o pai? Para quê? O pai não tem direitos...
Naquele momento não consegui sentir raiva. Só alegria e uma vontade incontrolável de invadir a maternidade para me juntar à minha mulher e filha.
Por isso, na verdade, acabei por não a ver nascer porque os pais não podem ir para o bloco, apenas podem assistir se o parto correr de feição e a filha nascer nas boxes onde, uns anos antes, estive em direto, em reportagem para a TVI, um dia inteiro à espera que um bebé nascesse.
Nos hospitais privados os pais assistem a tudo, mesmo quando se trata de cesarianas. Na MAC, o pai é um ser dispensável, sem sentimentos. Fiquei bastante desiludido por ter perdido aquele momento, mas feliz por tudo estar bem. E eu que sempre defendi a MAC e a sua vital importância. E defendo, mas tem de mudar em alguns aspectos.
Quando finalmente consegui chegar ao pé da minha mulher e filha, as emoções correram como quiseram. Não há controlo para este sentimento. Uma alegria que me acompanha desde então.
Todos os dias me ensina alguma coisa nova. Todos os dias torcamos um momento de namora de pai e filha. Todos os dias me abraça e beija. Todos os dias me torna num homem melhor.
Hoje é o dia do seu aniversário mas eu celebro cada dia, todos os dias, há quatro anos! Parabéns, princesa... E estou marimbando para todos os que acham que chamar princesa a uma filha é um ato machista!
É verdade, já disse que sabe nadar (mais ou menos)?